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Traições, Transformaçroleta 0 a 50 -ões- Pensar e Praticar Teatro do Oprimido

Como uma prática teatral emancipatória,çõesTransformaçõroleta 0 a 50 - idealizada em um momento de luta política radicalizada na América Latina, pôde assumir usos conservadores no mundo contemporâneo? Essa é uma das perguntas feitas por Julian Boal em seu livro "Sobre Antigas Formas em Novos Tempos: o Teatro do Oprimido Hoje entre 'Ensaio da Revolução e Técnica Interativa de Domesticação das Vítimas'", lançado pela editora Hucitec em 2022. Construído a partir da tese de doutorado de Julian, o livro apresenta um estudo aprofundado sobre a prática do Teatro do Oprimido (TO), sistema de formas teatrais criado por Augusto Boal nos anos 1970, considerando sua historicidade, seus impasses e suas possibilidades.

Julian é filho de Augusto Boal, praticante e militante do Teatro do Oprimido, além de curador e coordenador de diversos encontros de TO pelo mundo, o que lhe confere um olhar crítico privilegiado sobre a história e a prática do TO: se "utilizar Brecht sem criticá-lo é traí-lo", segundo o dramaturgo alemão Heiner Müller citado por Julian na introdução do livro, pensar sobre o TO sem analisar suas contradições seria igualmente uma traição.

A primeira parte do livro é dedicada a uma investigação minuciosa sobre os pressupostos históricos do TO, envolvendo tanto a trajetória de Boal no Teatro de Arena, o contexto social e político do Brasil e da América Latina, como os conceitos e referências mobilizados pelo sistema. Para Julian, a genialidade de Boal foi incorporar debates, soluções e impasses da cultura política dos anos 1960 e transformá-los em uma das práticas teatrais mais importantes da história do teatro no Brasil e no mundo.

O autor defende a hipótese de que a criação do TO partiu das reivindicações emancipatórias da esquerda, transpondo para a técnica teatral os debates sobre a divisão social do trabalho, o fim da separação entre arte e vida, a autoemancipação e autoorganização dos oprimidos e a aposta na individualidade heroica como forma de ação política.

É nesse último ponto que entra a discussão sobre a luta armada, já que o imaginário sobre a Revolução Cubana estava vivo e atuante, intensificado pelas lutas de libertação nacional e anticolonial nos países africanos. Boal era crítico à atuação do Partido Comunista Brasileiro, em especial à possibilidade de aliança entre classes e ao papel do intelectual como "guia das massas", e se filiou à ALN (Aliança Libertadora Nacional), organização liderada por Carlos Marighella, apostando na guerrilha e no protagonismo heroico individual como estratégia de luta política nos anos de ditadura militar no Brasil e na América Latina.

Nesse contexto, a criação do TO seria uma síntese em forma de sistema teatral das estratégias políticas da esquerda revolucionária brasileira pós-1968, confiando na virtude heroica individual como forma de transformação da realidade. É o que vemos objetivamente na prática do Teatro Fórum, onde através de intervenções individuais mediadas pela figura do "curinga" pode haver a problematização/resolução de conflitos de ordem coletiva expostos em cena, desencadeando uma reflexão conjunta para a tomada de ações concretas na realidade. Se o mundo é passível de transformação pela ação dos homens e mulheres, o TO, nas palavras de Boal, é um "ensaio da revolução", ou seja, a prática teatral não é um fim em si mesmo, mas parte de um processo de organização coletiva para a emancipação da sociedade.


Um dos maiores dramaturgos brasileiros, Boal usava a arte como ferramenta para transformação social / Foto: Thehero/Wikicommons

Enquanto isso, o cenário político atual é completamente distinto dos anos 1960/1970. Politicamente, a luta armada foi derrotada e a "virtude heróica individual" está agora vinculada à ideia de empreendedorismo e à figura do "self made man" do capitalismo financeiro. Como Julian aponta ao citar Gilda de Mello e Souza e a "incontrolável autonomia das formas": independente da vontade inicial de seu produtor, as formas artísticas produzidas para um determinado fim podem produzir o seu contrário, ainda mais se pensarmos em diferentes conjunturas. Nesse sentido, não basta praticar TO munido de "boas intenções", o próprio sistema contém em si pressupostos de valorização da ação individual que tem sido apropriados pelos mais diversos meios, desde workshops em empresas, ONG's assistencialistas a grupos revolucionários. Por isso a insistência na pergunta sobre o potencial emancipador do TO nos dias atuais.

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Longe de articular a reflexão crítica para uma paralisia, Julian traz possibilidades de enfrentamento a partir de experiências concretas ligadas a conjunturas específicas, articulando diretamente as relações entre prática teatral e organizações sociais, como o Jana Sanskriti,  na Índia; o Óprima, em Portugal, e a Escola de Teatro Popular, no Brasil. O livro termina com uma ótima provocação sobre o papel da arte na luta política anticapitalista. Se os impasses para a prática contemporânea de TO são muitos, maiores são as possibilidades de imaginar intervenções coletivas emancipatórias a partir do teatro e do pensamento de Augusto Boal.

Mariana Mayor é professora de História do Teatro Brasileiro do Instituto de Artes/ UNESP.

Resenha de 'Sobre antigas formas em novos tempos: o teatro do Oprimido hoje entre ensaio da revolução e técnica interativa de domesticação das vítimas', de Julian Boal.

As opiniões expressas nesse texto não representam necessariamente a posição do jornal Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo


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